Romance da Pequena Quinta
Chris Smaje reflecte sobre a transição de académico para agricultor e propõe a democratização do amor pelas pequenas quintas.
Então, baixemos as luzes, vamos acender as velas e abrir uma garrafa de tinto. Agora é altura de falarmos de romance. Bem, quando digo «romance», quero dizer a tendência para ser romântico. Não, não é bem isso. O que estou realmente a tentar dizer, querido, é que por vezes as pessoas romantizam as coisas. Nomeadamente, a agricultura em pequena escala ou camponesa. Talvez seja por isso que, quando falo a seu favor, como faço muitas vezes, dou por mim a dizer que é importante não romantizar a vida rural, ou a agricultura camponesa, ou o que quer que seja.
Talvez seja de facto importante. Mas talvez também valha a pena perguntar porque é que é importante. O que está exatamente em jogo na romantização da agricultura em pequena escala? Para mim, a questão tem mais força porque nunca ninguém começa uma discussão sobre a vida na cidade ou sobre a urbanização dizendo «É importante não romantizar a metrópole». E quando digo nunca não estou a exagerar. As pessoas saem-se com frequência com as mais extraordinárias romantizações do urbano e da cidade. O que é que o rural e o agrário têm que nos faz ter tanto medo de cometer o pecado do romantismo, quando o fazemos de forma tão despreocupada com o urbano?
Talvez a definição de algumas formas de romantismo possa ajudar. Penso que uma das principais formas de romantismo é a noção de que a nossa própria sociedade está marcada por contradições irreconciliáveis, e que outras sociedades estão livres delas e, portanto, mais concretizadas. Este tipo de romantização pode ser interpretado historicamente — as sociedades passadas (ou futuras) foram (ou serão) mais completas e autênticas do que as actuais. Ou pode ser representada geograficamente — outros povos do mundo são mais completos e autênticos do que nós. É interessante ver como o próprio alvo deste romantismo muda historicamente. As correntes dominantes do pensamento Ocidental no final do século xix colocavam os árabes perto do topo na liga da idealização (o que também se verificou mais tarde entre orientalistas como Lawrence ou Thesiger) e os povos caçadores-recolectores perto do fundo da classificação. Hoje em dia, as correntes dominantes do pensamento Ocidental invertem praticamente esta ordem. De um modo geral, penso que estas idealizações e demonizações projectadas são uma armadilha, e é importante não romantizar outras sociedades desta forma. Ups, lá estou eu outra vez.
Quer dizer, é importante — mas não mais do que o erro inverso de assumir narcisisticamente que as pessoas noutras sociedades são menos abençoadas do que nós e que, portanto, não há nada que possamos aprender com elas. Para seguir esta última linha, é preciso combinar um forte anti-romantismo com um forte mito do progresso — um casamento infeliz, que lamentavelmente é demasiado comum, sobretudo entre os eco-modernistas. Mas a necessidade de ter alguma prudência na idealização de outros modos de vida não pode, na minha opinião, explicar a denúncia generalizada e visceral do romantismo que acompanha praticamente todas as tentativas de exaltar o camponês, o local, o rural ou o caseiro, tanto mais que a cultura contemporânea não tem qualquer pudor em romantizar outras coisas, como a celebridade mediática.
Reflectindo sobre as duas principais profissões que desempenhei na minha vida — académico universitário e pequeno agricultor — permitam-me que faça esta observação. A minha carreira académica era confortável, interessante, bem paga, potencialmente gratificante e com um estatuto social elevado, mas não era romântica. A minha carreira de agricultor é menos confortável, por vezes bastante mundana, mal paga e mal vista, mas, de um modo geral, é mais gratificante e mais romântica. Qual é a diferença? Não tenho a certeza absoluta, mas arriscaria a opinião de que a agricultura implica envolvermo-nos totalmente, tanto mental como fisicamente, com um mundo natural que, em última análise, é indiferente aos nossos projectos, e há algo nesse processo que capta a imaginação humana como poucas outras coisas conseguem — e certamente muitos dos trabalhos modernos de escritório que baralham papéis e que podem reduzir o mundo à sua própria dimensão através do palavreado não o fazem. Talvez seja por acrescentarmos um elemento de risco físico que o romance aumenta, e é por isso que muitas crianças querem ser bombeiros, pescadores de alto mar e coisas do género, e talvez por isso que muitos adultos que puseram de lado esses sonhos por um trabalho mais bem pago, passam os fins-de-semana e uma boa fatia do seu dinheiro a fazer escalada, mergulho, surf ou qualquer outra coisa. A agricultura é por isso um dos trabalhos mais perigosos que existe atualmente, e tenho de admitir que ser esmagado por um fardo redondo que tomba, por um touro excitado ou por um espalhador de estrume em marcha-atrás não seja a forma mais romântica de morrer.
A nossa quinta é visitada por um grande número de pessoas com antecedentes urbanos/suburbanos, profissionais e de classe média semelhantes aos meus. Diria que cerca de 1 em cada 10 deles examina o meu local de trabalho com um olhar que diz qualquer coisa como «então tiraste um doutoramento e agora estás aqui a arrancar ervas daninhas no solo — como é que correu tão mal?». Os outros 90% têm um olhar muito diferente, talvez invejoso, talvez empático, que parece dizer «Conseguiste escapar, não foi? Estás a viver o sonho, seu sacana sortudo.».

É num subconjunto destas últimas pessoas, penso eu, que a noção de romantismo agrícola ou de idílios rurais realmente habita, e — se me perdoam o freudianismo simplório — penso que a razão é o negacionismo, ou a auto-justificação: «Eu também gostaria de viver esse tipo de vida, mas a razão pela qual não posso é porque não é realista». Bem, é justo — não é assim tão realista para a maioria das pessoas (à exceção dos proprietários de Londres, que poderiam facilmente dar-se ao luxo de deitar tudo a perder e comprar uma pequena propriedade no campo... se ao menos... se ao menos... se ao menos o quê? Se ao menos não fosse um sonho tão romântico?). Mas a razão pela qual não é realista deve-se às políticas económicas em geral, e em particular a políticas que, deliberadamente ou não, tornam extremamente difícil para qualquer pessoa iniciar uma pequena exploração agrícola e fazê-la funcionar como um negócio. E, como já argumentei anteriormente no blogue Small Farm Future e voltarei a argumentar de diferentes formas no futuro, essas políticas não são factos da natureza, mas sim artifícios humanos que podem ser alterados se quisermos abraçar o romance de um futuro de pequenas explorações agrícolas, o que penso que devemos fazer.
O mesmo se aplica ao refrão canónico sobre como é errado romantizar os camponeses pobres em países de baixo rendimento. Admito de bom grado que muitos desses agricultores abandonariam as suas explorações sem pensar duas vezes se tivessem a mais remota hipótese de conseguir um desses empregos citadinos que há pouco denunciei. A razão para isso, penso eu, é que preferem não ser alvo de políticas globais e locais que prejudicam os pequenos agricultores — o problema são as políticas, e não qualquer coisa intrínseca à agricultura em pequena escala como tal. Há mais a dizer aqui em relação aos debates académicos sobre o populismo agrário e a economia moral do camponês.
Falando de populismo agrário, enquanto autoproclamado populista agrário, tenho de admitir que este, historicamente, tem um lado negro no qual o romantismo está implicado. Muitos países desenvolveram ideologias nacionalistas que realçam a bondade dos seus campos e das pessoas que os habitam. Por vezes, isto pode ser relativamente benigno, como na «terra verde e agradável» da Inglaterra de postal (apesar das idiotices resultantes do sistema de planeamento), mas nem sempre é benigno, como nas variantes do populismo que distinguem as «verdadeiras pessoas do campo» dos degenerados urbanos, dos banqueiros judeus e afins. Uma das tarefas de um populismo agrário contemporâneo é realçar o romance e a autenticidade da agricultura e da vida rural, sem projetar essa autenticidade em qualquer categoria particular de pessoas. Isso implica reconhecer que a agricultura não é a única coisa que vale a pena fazer, que as cidades têm o seu próprio romance. Mas as cidades já têm muitos líderes de claque, incluindo os eco-modernistas e as suas rejeições unidimensionais da agricultura camponesa em favor da urbanização. Precisamos de mais pessoas que defendam um mundo rural que funcione e seja cultivado de forma sustentável.
Comecei este texto com vinho e velas, por isso deixem-me terminá-lo brincando com a semântica da palavra «romance». A maioria de nós, penso eu, ficaria feliz por ter mais romance nas nossas vidas, daquele tipo individual — um envolvimento profundo e desinteressado, na plenitude do nosso ser, com outra pessoa, que não podemos nem queremos dominar. Penso que a maior parte de nós também gostaria de ter mais romance de um tipo diferente (mas não totalmente diferente) no nosso trabalho: um envolvimento profundo e altruísta, na plenitude do nosso ser, com o mundo social e natural mais vasto, que não podemos nem queremos dominar, mas com o qual nos podemos relacionar a partir de uma posição de dignidade e autonomia, à medida que lhe dedicamos o nosso trabalho. Há, sem dúvida, quem consiga encontrar esse romance no meio académico e noutros palavreados — eu não consegui, mas boa sorte para eles. No entanto, eu encontrei-o na agricultura e em viver um pouco mais perto dos ritmos do mundo natural, pelo menos em parte do tempo. Por isso, da próxima vez que me encontrar a ponto de dizer «não devemos romantizar a agricultura em pequena escala», espero parar para me perguntar «porque não?».
Chris Smaje é autor, agricultor de pequena escala e, por vezes, cientista social. Escreve com frequência no blogue Small Farm Future. chrissmaje.com